Abreu e Lima, 30 de
novembro de 2014. 14h
Caros amigos incidentais, companheiros
de jornada, amigos de todos os lugares, de moto clubes, usuários de veículos de
duas rodas, gente diversa e versada em discutir sobre como desfrutar da
motocicleta (e de como mantê-la em bom funcionamento), das viagens, dos
relacionamentos em grupo, e de nós que driblamos os problemas da vida pilotando
e fazendo parte da paisagem, bem vindos à vida.
Relutei
muito em começar esse texto, para não deixar que alguma mágoa o estragasse. Eu
não queria parecer infantil ou descontrolado ao descrever com amargura os momentos
passados de minha experiência. Até por que tudo que me esforço em lembrar são as
coisas boas. Gosto de apagar tudo o que me machuca, não exatamente como quando
se tem amnésia, mas resolve. E mais uma vez vou falar sobre motocicleta, do seu
uso e de sua influência na minha vida.
No
princípio, quando começou a minha relação com os motoclubes, eu me comportava
apenas como espectador. Fazia tudo o que me era solicitado, cumpria regras,
horários, a fim de conquistar um espaço entre eles. E no começo foi um pouco
duro ser aceito. Não entendia o funcionamento e não existe uma regra que define
se alguém vai ser aceito e, se for, quando. Mais difícil é encontrar um espaço para
suas ideias em qualquer lugar, ainda mais difícil num lugar onde tem pessoas
não te querem por perto e do qual você sabe muito pouco.
Sempre
me disseram que a inocência protege. Nesse caso, logo que descobri que minha
presença não era aceita unanimemente, pensei: e se eu não soubesse? Então decidi
seguir em frente, pagar para ver, amparado pelo depoimento das pessoas que me
queriam ali. Eu não tinha nada a perder, só tinha a ganhar: conhecimento,
amizades, experiências diversas, dados de pesquisa para o meu trabalho de
conclusão de curso, só para exemplificar com o que lembro agora.
A
pior coisa que poderia ter acontecido era eu ter sido convidado a me retirar,
já que o meu aguçado instinto de autoproteção não iria permitir que eu tivesse
que sair forçadamente. Minha personalidade era o que eu tinha a meu favor, mas
é nas características pessoais que os grupos encontram elementos de rejeição e
de aproximação. E dentre as minhas características encontra-se uma que incomoda
muita gente: a sinceridade. Ela é uma “faca de dois gumes”: com ela você
cimenta muitas amizades sinceras, mas também alimenta o mau querer de muitos
outros que vivem a fingir vidas perfeitas, e que não gostam de ter suas
verdades descobertas.
Não
sei se foi a atitude certa, continuar meu caminho sem me importar com as
criticas, afinal de contas aceitação é também uma situação efêmera. Mas por um
tempo foi muito bom. Até recentemente foi assim. E a vida é mesmo repleta de
situações efêmeras. No meu trabalho, por exemplo, durante um tempo fui visto
apenas como “mais um”. Alguns me viam como um novo bolsista, outros como um
personagem de gibi, por causa do coturno e da jaqueta de couro, que fez parte
da minha vestimenta durante uns anos. Mas com o tempo tudo mudou e eu adquiri o
respeito da maioria, eu acho.
Situações
efêmeras. Todas passaram. Em outros ambientes podemos optar. No meio
motociclístico amador fiz muitas amizades. Não posso garantir que seja amado e
admirado, mas acho que ao menos o respeito de uns poucos, porém importantes
cidadãos devo ter.
Não
me considero o mais esperto dos sujeitos, mas sempre que posso tento dividir as
coisas que aprendo. E para isso continuo minha saga de observar a vida para
aproveita-la melhor. E se eu pudesse deixar um legado a posteridade, seria um
manual de boas maneiras. Não desses manuais de etiqueta a mesa ou de como se
vestir. Seria mais parecido com um conjunto de observações e opções para você
cuidar de si mesmo, evitando maiores conflitos com os seus semelhantes.
Recentemente,
tive a experiência de me ser solicitado devolver o brasão. Nos primeiros dias
eu não consegui entender muito bem o que estava acontecendo, posto que tivesse
dedicado quase quatro anos da minha vida a um clube. Mesmo assim o devolvi,
pois entendo que o brasão não é do associado, embora tenha o uso e a posse
provisória. Em seguida me senti um pouco “roubado”, por acreditar que o que
estava fazendo era uma contribuição para o clube que me ajudou a crescer
enquanto usuário de motocicleta. Uma troca. Simbiose.
Nesse
momento eu estou considerando apenas o meu ângulo de visão. É claro que existem
muitas outras coisas envolvidas. Não estou tentando parecer vitima de nada. As
situações mudam, e as suas ações passam a não significar tanto quanto no
momento em que você as começou. Não foi culpa de ninguém, a vida segue seu
compasso. Mas eu, neste momento de mudança, não estou conseguindo me ver
escudado por outro grupo. Estou me sentindo o exercito de um homem só. Dentro
da estrutura de clubes, eu diria, por que no resto da existência eu sempre
soube que se vem e se vai sozinho.
Para
meu consolo imagino que o alerta de alguns, sobre o excesso de motoclubes seja
legitimo e eu esteja sofrendo seus efeitos. Em Pernambuco passamos dos
quatrocentos e sessenta. E ainda tem gente que me liga e diz:
-Vamos montar um MC?
E eu respondo:
-Para que, se tem tantos?
Estou
esperando a “febre de criação de MC” baixar, pois vejo os eventos cada dia mais
vazios e perdendo forças para existir. Em um momento, um presidente de
motoclube me disse: “se eu não tiver algum apoio, ano que vem eu não farei
mais. Não aguento gastar tanto”. Outro grande evento do qual participei esse ano
estava vazio nos dois primeiros dias. Nem os expositores contumazes apareceram.
Eu quase não encontrei gente conhecida.
Espero
não ter detectado um colapso do movimento. Justo agora que algumas associações
estão criando forças e que a legislação está se modificando. Que os criadores
das políticas publicas de mobilidade estão começando a incluir a motocicleta
como parte integrante do transito. Pequenas pesquisas no meio acadêmico começam
a parecer, que incluem a motocicleta e os motociclistas não como causadores de
mortes, mas como vítimas das péssimas condições de gerenciamento do tráfego.
As
prefeituras estão tentando resolver o problema da mobilidade ainda de uma
maneira incorreta e que demonstra desconhecimento e inabilidade de se comunicar
com os usuários. Mas o problema atinge todo mundo em todas as grandes cidades.
Em breve, acredito, um diálogo entre os legisladores e os motociclistas será
inevitável. E nesse momento eu espero que os motoclubes estejam mais próximos.
Joel Gomes – acadêmico das
ciências sociais, motociclista, motoqueiro, mototurista e ex-motoclubista,
escrevendo para se livrar das suas próprias dores, colaborando com o blog Os
Sem Fronteiras (jotagomes@gmail.com).